Quando me converti ao cristianismo, adotei toda uma
dogmática que me fazia crer-me não o detentor da verdade única sobre Jesus, mas
pertencente a esta verdade única e absoluta. Hoje, me sinto cada vez mais
aprofundado no que se entende por “caminhada da fé cristã”, mas esse
aprofundamento se dá através de uma série de deslocamentos em relação a
concepções fechadas da fé, sejam elas tradicionais ou não.
Aquela frase provocativa que aprendi há alguns anos na
igreja batista hoje ecoa mais forte do que nunca: os cristãos pertencem a Deus,
mas Deus não pertence aos cristãos.
Assim, o sentido do Natal também não é um só e não
pertence à igreja A ou B, ou mesmo apenas ao universo das religiões cristãs.
Diversas vozes (inclusive dentro dos cristianismos) têm apontado outros afetos
e outros sentidos para o Natal, que não reduzem o nascimento de Jesus a um acontecimento
apenas salvacionista (no sentido da redenção das almas das pessoas da danação
eterna na vida pós-morte, etc.).
Os sentidos do Natal são muitos e estão em disputa. Não
sou dono de nenhum deles, mas vivo tendo que escolher entre o que me é
oferecido (ou imposto) como verdade única do Natal. Olhando com desconfiança
para a lógica do endividamento da nossa subjetividade apresentado nas típicas luzes
do Natal das lojas e igrejas, é possível elaborar outros natais, outros
sentidos e deixar-se tocar por outros afetos, que tem muito mais a ver com dinâmicas
coletivas de vida, que não se reduzem (mas sem excluí-lo) ao meio familiar.
Algumas vozes me tocaram de uma forma potente nesse Natal e em outros... Compartilho, muito rapidamente, três vozes que estavam por escrito, mas são só uma pequena expressão do que rola por aí, mundo afora.
Outras vozes:
“Ele foi perseguido pela Polícia,
pela Justiça e pela Mídia do seu tempo. Hoje é aclamado da boca pra fora por
forças similares contemporâneas. Amanhã, meia-noite, geral na festa
quase-global do seu níver. Mas vale lembrar: foi tachado de radical, de vândalo,
foi espancado, esculachado, torturado e morto... pelos poderes instituídos,
embora só falasse de afeto. Logo, amanhã, reflita sobre isso: há milênios o
poder instituído castiga os mensageiros do afeto e os que tentam propagar uma
justiça mais ampla. E hoje, em tantos Gólgotas, ainda exibem castigos
exemplares para aterrorizar a população.” (Marcus Galiña, no Facebook)
“A alegria da comemoração do nascimento do Filho de Deus entre os homens
não deveria ser desprovida também da memória do seu contexto. O menino Jesus
foi, sobretudo, um sobrevivente. [...] Nessa história Jesus se identifica com tantas crianças cuja natalidade
beira o risco. [...] Jesus não simplesmente nasce, seu nascimento também
evidencia uma negligência, uma desumanidade, um mundo classista, violento e
arriscado.” (Ronilso Pacheco, no Blog do Fale)
“Nesse
Natal não
quero me deixar enganar com as reciprocidades superficiais nem vou arrastar
gestos de reconciliação pelo fundo áspero do desespero dos meus dias. Quero uma
esperança maior que a violência. Quero um Natal imperceptível. Um Natal
desinteressante. Um Natal vazio... como vazia é aquela alguma noite em que
nascem crianças imperceptíveis e desinteressantes e que podem fazer os pobres
sonhar com Paz na Terra e Boa Vontade. Meu Deus, me ajuda a ver!” (Nancy Cardoso, na Novos Diálogos)
Um abraço em tod@s, com paz, justiça e dignidade, nesse e nos
próximos natais!
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