quinta-feira, 18 de maio de 2017

Unidade Eclesiástica Pacificadora?

[texto originalmente publicado na página de facebook da revista Novos Diálogos]

“É PM, a Civil, pronto pra te esculachar, e a força militar, pronto pra te exterminar, UPP pacificar, pacificar, pra reprimir, pra reprimir, para matar, o pobre exterminar...” (“A Maré tá cheia” – Anarkofunk)

O compromisso das igrejas evangélicas com a promoção da paz é um tema social e político bem interessante para aqueles/as que se engajam na defesa dos direitos humanos, pois em todo lugar que há conflitos sociais, lá estará presente uma igreja evangélica, para o bem e para o mal. Este é também um tema fundamental para os próprios cristã(o)s. Na Bíblia, não faltam menções à “paz”. Alguns possíveis exemplos: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5: 9); “O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre.”  (Isaías 32: 17); “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe nem se intimide vosso coração.” (João 14: 27); “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus.” (Filipenses 4: 7) .
A presença dessa “paz” aí mencionada não é nada “pacífica”. A paz apresentada na Bíblia já está no contexto de uma disputa de leituras de mundos possíveis. Sem dúvida, a paz reivindicada no texto bíblico não pode ser reduzida a uma “paz mundana”, o que não significa que esteja alheia às condições sociais e políticas da “paz no campo e a cidade”.
Se quisermos falar de “juventude e violência” a partir de um engajamento ético e político cristão, temos vasto respaldo no texto bíblico. Olhando para a realidade brasileira, veremos números assustadores e entristecedores. Os jovens estão sobrerrepresentados entre os números de vítimas. Segundo o Mapa da Violência 2016, no período de 1980 a 2014, os jovens de 15 a 29 anos representavam 26% da população brasileira e 58% de vítimas de Homicídios por Armas de Fogo (HAF). São quase 500 mil jovens vidas brutalmente interrompidas num universo de mais de 830 mil vítimas no período. Enquanto igreja, um engajamento possível e real é estar ao lado dessas famílias que perdem seus jovens, das mães, pais, tios, tias, irmãos, irmãs, avôs, avós que ficam sem seus queridos filhos, sobrinhos, irmãos, netos...
Tratar a dimensão psíquica da perda é um caminho necessário, no entanto, não se pode, enquanto igreja, tratar o fenômeno em questão apenas como “casos isolados”... É preciso perceber o que coloca a vida de alguns jovens na mira das armas muito mais do que outros. Neste sentido, o racismo estrutural da sociedade é talvez o elemento central nesse processo de vitimação. Como já afirmei em duas reflexões anteriores (“Abolir a segurança” e “Jesus Cristo contra a vida segura”), não basta agir em termos de “securizar” a vida dos jovens, é preciso desarmar os mecanismos que hoje estão apontados contra eles. Escolas, ONGs, Governos, Hospitais, Polícias, Jornais, Igrejas, Tribunais, etc., cada uma dessas instituições envolve uma série de práticas e políticas que intencionalmente ou não coloca a vida dos jovens em risco, reforça, reitera os lugares de “vulnerabilidade”. As armas apontadas contra os jovens precisam parar de matar. A igreja também é violenta, racista, machista, homofóbica, elitista, etc. e precisa deixar de sê-lo. A igreja que se alia a uma “paz armada” promove a violência que diz combater. A legitimação da inclusão/exclusão dos/as jovens nos espaços da igreja se dá por “argumentos” nem sempre declarados, visíveis ou explícitos que se pretendem uma leitura autêntica, original, fundamental, pura de fé, mas que na verdade são marcados por sensibilidades culturais, raciais, de gênero, de classe, de sexualidade, de faixa etária, etc.
            Se a igreja quer promover a paz, se quer ser de fato ser “pacificadora”, precisa abandonar suas táticas de guerra, sua aliança com a “paz armada” vendida pelo Estado e pelas empresas privadas de segurança. Não aliar-se à paz do “Império Romano” é fundamental como primeiro ponto. A partir daí, construir outros caminhos, perceber que os/as jovens dentro e fora das igrejas têm encontrado seus próprios processos de sobrevivência.

Uma crítica-denúncia:
Não gosto de pessoalizar as críticas que faço. Em geral, estou mais preocupado em inventariar as práticas e os conceitos que nos movem. Essas práticas e conceitos estão presentes em muitos lugares e inclusive dentro de nós. Identificar num único governo, numa instituição, num único partido etc. o inimigo de nossa perspectiva pode ser danoso, porque pode nos cegar em relação às opressões que nós mesmos (re)produzimos. No entanto, venho a público dizer que, no sábado 5 de novembro de 2016, falei num evento ligado à Convenção Batista Brasileira (CBB) chamado Igreja Pacificadora. Na parte da tarde, as 4 falas previstas, que antes funcionariam como oficinas, seriam transmitidas ao vivo pela internet. A minha intervenção, a segunda a ocorrer (depois de uma fala sobre “violência e subjetividade”), foi sobre “violência e juventude”. Parece que minha fala não era o que alguns “setores” da instituição em questão esperavam ouvir, o que gerou um forte incômodo. Algumas pessoas à frente do evento resolveram então tirar do ar a gravação da transmissão ao vivo já realizada. Transmitiram normalmente a fala seguinte sobre “violência e infância” e não transmitiram a quarta e última fala, da professora Lília Mariano, sobre “violência e gênero”. Fomos avisados posteriormente do ocorrido, o que gerou bastante revolta na professora Lília, em mim e em nossos pares.

Resisti em fazer essa crítica pública pelos motivos que coloquei no começo dessa denúncia, mas tudo isso precisa gerar uma reflexão crítica e autocrítica. Como querer ser “igreja pacificadora” negando-se a ouvir vozes destoantes? Como querer promover “vida para a juventude” se os/as jovens são silenciados? Como querer combater a “violência contra mulher” se o debate de gênero é chamado pra conversa, mas ao mesmo tempo silenciado? Parece que a minha fala incomodou tanto que a única resposta possível no momento foi provar que o que dizia tinha mesmo razão de ser – a igreja promove a violência e está aliada a uma paz armada. O curioso disso tudo é que nada disso é novo, já fui membro de uma igreja ligada à CBB e já estive nessa posição difícil de querer promover bons debates, ventilar outras ideias e ser/sentir-me tolhido pela instituição. Neste sentido, não quero com essa crítica punir ou responsabilizar indivíduos que hoje se encontram nessas posições difíceis e carregadas de ambiguidades de agradar a “gregos e troianos”. Acredito que é preciso antes de tudo rever o que torna possível essa “difícil situação” de tentar fazer algo diferente “dentro e apesar da instituição”, mas de se ver preso pelos próprios limites institucionais impostos. Enfim, faço essa crítica-denúncia com o maior respeito possível às pessoas que me chamaram para contribuir com o evento, mas com um profundo lamento no “mais do mesmo” do qual a igreja-instituição em questão se vê armada. Que a CBB possa também se desarmar e promover vida para jovens, mulheres, negros/as, LGBTs, reconhecendo onde tem falhado enquanto instituição.    

quarta-feira, 15 de março de 2017

PAULO ROBERTO FOI MORTO UMA PRIMEIRA VEZ PELA POLÍCIA...


PAULO ROBERTO FOI MORTO UMA PRIMEIRA VEZ PELA POLÍCIA, UMA SEGUNDA VEZ PELO PODER MÉDICO, UMA TERCEIRA VEZ PELA MÍDIA E SUA MORTE ESTÁ AINDA NAS MÃOS DA JUSTIÇA

"Não julguem conforme a aparência, mas conforme a justiça" (Mateus 7:24)
[RESUMO PARA APRESESSADOS:
Nesta quarta há muita mobilização para atos necessários sem dúvida, mas gostaria de chamar a atenção para o caso desse menino, Paulo Roberto, morto em 2013 de maneira muito violenta (tortura) por policiais da UPP MANGUINHOS. Hoje, a partir das 11h, pessoas e grupos (convocadas por Mães de Manguinhos e Fórum Social de Manguinhos) estarão reunidos em frente ao Tribunal de Justiça do RJ, reivindicando justiça na ocasião da audiência que pode indicar alguma responsabilização do Estado ou simplesmente seguir afirmando que esse é mesmo o papel assassino/genocida do Estado em sua atuação normal.
Link para o ato-audiência:https://www.facebook.com/events/258115801307409/ ]
A quem pertence a luta pela justiça depois que um adolescente morre pelas mãos de agentes do Estado? Primeiramente, à sua mãe (Fátima Pinho) e suas companheiras de luta (Mães de Manguinhos e Fórum Social de Manguinhos). Em segundo lugar, cabe a todos/as nós, sociedade em geral - pessoas organizadas em grupos ou não -, reivindicar justiça e responsabilização do Estado.
Em outubro de 2013, Paulo Roberto foi morto por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora da favela de Manguinhos (Zona Norte, Rio, RJ). Na época, eu me lembro bem, fui a uma missa que celebrava a memória de Paulo Roberto e reivindicava justiça. A missa-encontro foi marcada pela emoção, pelo afeto, pelo choro e também por uma condução-reflexão altamente politizada de um padre progressista.
Matérias de jornal nos últimos anos mostraram que a perícia indicou a existência de espancamentos, mas os RELATIVIZOU em nome de especulações (que depois se mostraram falsas) sobre uso de substâncias tóxicas como "cheirinho da loló". Mata-se alguém (um adolescente!) a sangue frio e já se tem todo um aparato médico para garantir que a SUSPEITA e a CULPA da morte recaia sempre sobre a própria vítima. Sabemos o nome que dá sustentação a esse sistema médico-policial, RACISMO.
Hoje, 15 de março de 2017, às 11h30, a Justiça deve seguir com o julgamento do caso que indiciou à época 5 policiais. Precisamos rever tudo, a polícia sem dúvida precisa parar de matar com armas de fogo e com tortura, os médicos-peritos precisam parar de legitimar as mortes com laudos criminosos (quem se lembra da Ditadura Militar?), os jornalistas precisam parar de incriminar e enquadrar os moradores de favelas, os juízes e operadores da lei precisam parar de proferir sentenças injustas.
[não sei quem fez o belo desenho representando o Paulo Roberto, se alguém souber informe]

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Cultura e racismo

Cultura e racismo.
A disputa no campo da "cultura" e dos "saberes" tem tudo a ver com uma crítica e revisão da ação do Estado em suas máquinas de guerra contra uma população específica no interior de um "todo mais amplo" da população. Como não conseguem ver que o racismo cultural/epistêmico é ele mesmo "condição de possibilidade" dos genocídios em curso no Brasil? Num país em que Cultura já foi (ainda é?) política de Estado pensada enquanto questão de Segurança Nacional. Num país em que se aponta cada vez mais a importância da questão das representações raciais nas novelas e outros registros midiáticos. Como não ver uma relação entre a produção da imagem que se constrói sobre um grupo com a produção da qualidade de vida desse grupo? O poder da ficção, da representação é enorme. Não é automático, causal, de uma "manipulação absoluta e total", mas é um poder considerável! E no entanto, parece que permanece "impensado" na trajetória de alguns...
Sobre os usos localizados das teorias.
Apontar o "essencialismo" só no outro indica o limite da crítica. Falar da reivindicação de "autenticidade" ou de "originalidade" apontando para um "passado" europeu isolado em si mesmo e já superado em termos dessa reivindicação, ao mesmo tempo em que se atribui sua permanência contemporânea (estando ela "correta" ou não) apenas aos grupos que se colocam desde o lugar das diásporas africanas me parece problemático. Isso é esquecer que a produção de autenticidade não ganha existência apenas através de discursos e falas explícitas nesses termos. Sua manutenção é bem mais "sutil", até certo ponto. A crítica ao "essencialismo branco" e à "episteme branca" é uma das condições de possibilidade de desarmar a maquinaria de morte do Estado.
PS: Perdão a fala em termos tão sei lá "iniciáticos", mas isso é parte de uma revisão de minhas próprias percepões teórico-políticas desses temas. A leitura de bell hooks tem sido nesse sentido muito importante.

[publicado por mim originalmente no facebook dia 14/02/2017, o contexto desse comentário é o debate em torno do termo "apropriação cultural"]

domingo, 11 de dezembro de 2016

Primeiramente, Fora UPP!

Primeiramente, Fora UPP!
Já soube de relatos de hoje e dessa madrugada, tristes, terríveis de assassinatos na CDD e no Alemão... Na CDD, mataram o filho da Tati Quebra Barraco, um horror, meu Deus...
Enquanto houver Justiça (instituição) genocida, vai haver muita injustiça...
As armas de luta contra esse sistema são justamente mostrar o que o torna possível e como ele funciona. Quanto mais informação tivermos sobre como funcionam as regulações da mídia e do Estado sobre a violência, melhor!
Sugiro seguir e/ou baixar apps ligados aos grupos:
[e muitos outros]

[postado originalmente no meu facebook]