segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Direto de Marabá...

Há exatos 19 anos, em 26 de Janeiro de 1990, Herbert de Souza (Betinho) escreveu o seguinte texto:

VIVE LA DIFFERENCE![1]

Antes do novo presidente tomar posse já vem de novo aquela velha história cantada desde que aqui chegou Cabral para explorar o Brasil em nome da civilização ocidental e cristã: unidade nacional, pacto social, salvação nacional!

Tudo isso se propõe em nome dos mais altos interesses da nação e de tal forma é apresentado que quem não se integra nesse espírito de unidade corre o risco de passar por divisionista, ressentido e com mania de ser do contra. Para esses unitaristas o Brasil só tem salvação se estivermos do mesmo lado, no mesmo passo, pensando, propondo, querendo e amando as mesmas coisas, e particularmente a mesma pessoa que encarna a presidência. A oposição é vista como um mal, uma perversão. A diferença é maléfica. A diversidade desgasta. A oposição é traição. Oposição boa é a que concorda com o governo, dialoga com ele, legitima os seus atos. Oposição ruim é a que discorda, vigia, critica, pergunta, duvida e afirma seus próprios pontos de vista.

Destruída a oposição e unida em torno de Hitler a Alemanha quase destruiu a Europa e a si mesma. Unida, a Itália gerou Mussolini. Unidos, os partidos comunistas custaram a despertar para o furacão democrático que soprava nas suas barbas. Unida, a máfia de Medellín estende seus negócios até o Rio de Janeiro. Essa ideologia da chamada unidade nacional num país tão perversamente desigual quer impor a noção de que a raposa e a galinha são iguais, e mais, devem dormir na mesma cama. Imaginem quem acorda satisfeita no outro dia! Quer também desenvolver o culto da unanimidade: se o presidente pensa de uma forma o bom é que haja unanimidade em torno do pensamento do presidente. Sejamos unânimes e estaremos salvos. O presidente, é claro.

A tese da unidade nacional trabalha com o princípio da unanimidade, mesmo que diga da boca para fora aceitar a existência de oposição, bem comportada e bem intencionada. Além da unanimidade ser o campo da burrice e da demissão da consciência, da autonomia do pensamento e da liberdade, ela é a armadilha ideológica do autoritarismo. Ainda me lembro: Brasil, ame-o ou deixe-o! Unidade para negar as diferenças, iludir as classes subordinadas e calcar a estrada do autoritarismo, não. Unidade para construir uma sociedade democrática, sim. Mas a democracia não vive da unanimidade, morre. Não vive do consentimento oficialista, de modo geral subserviente e corrupto, mas do confronto permanente de pontos de vista, de críticas, de propostas alternativas e do exercício da cidadania livre e independente. A democracia só vive e sobrevive se existe a oposição plena. A oposição não é uma concessão do poder. Tenho medo de todos esses que adoram o poder e têm medo de oposição. Sei em que mundo eles querem chegar. Estamos vindo de lá! É ridículo esse liberalismo daqueles que só apóiam a oposição nos países socialistas.

O processo democrático no Brasil foi sendo construído a duras penas graças ao exercício da oposição, da demarcação de diferenças, da autonomia da sociedade em relação ao Estado, da domesticação do poder do Estado e do desenvolvimento do sentido da cidadania. É bom lembrar que esse processo custou muito sacrifício e não muito longe no tempo deu cadeia, tortura e até morte. O autoritarismo no Brasil sobreviveu graças ao oficialismo, ao fascínio pelo poder a qualquer custo, a subordinação da sociedade ao Estado e ao aniquilamento do sentido de independência do cidadão frente aos chefes de turno. A unanimidade é autoritária. A diferença é democrática.

Não quero viver obrigado a obediência a nenhuma idéia de nação, pátria, partido, igreja ou grupo. Quero viver de acordo com princípios democráticos fundados na solidariedade, na liberdade, igualdade, participação e diversidade. Para isso não precisamos de articuladores da unanimidade em benefício do rei, mas de mobilizações de toda a sociedade onde haja lugar para a manifestação e o desenvolvimento de todos os que somos e pensamos diferentes. O Brasil só será um país unido quando for democrático, isto é, quando respeitar a diversidade e todos vivermos em condições básicas de igualdade, liberdade e respeitando todas as diversidades.

No Brasil de hoje se poderia dizer que existe muita diferença entre os de baixo e sobre unanimidade entre os de cima: se a classe dominante brasileira fosse um pouco mais dividida haveria na mesma proporção mais espaço para a democracia. Se a terra fosse mais dividida haveria mais espaço para milhões de brasileiros que hoje vivem na miséria nas grandes cidades. Se o capital financeiro fosse mais democratizado talvez produzisse mais e especulasse menos. Se a mídia não estivesse "unida" nas mãos de uns poucos certamente o Brasil seria melhor e mais democrático. Se o povo não estivesse tão unido nos trens da central talvez pudesse ir para o trabalho em condições mais dignas.

Por tudo o que já vimos até agora temos todas as razões para identificar a busca da unanimidade, camuflada de unidade, como o pretexto e a arma dos que querem perpetuar o autoritarismo em nome da nação, e todas as razões para lutar pelo direito a oposição, a diversidade e autonomia em relação ao poder do Estado como essenciais para a democracia. Oposição aliás que responde praticamente pela metade do país e que foi capaz de somar 31 milhões de votos. E é por isso que afirmo enquanto é tempo e antes que algum emissário da unidade em torno do poder bata à minha porta: vive la difference!



[1] Texto publicado em Escritos Indignados: democracia x neoliberalismo no Brasil, pela Rio Fundo Ed. : IBASE, em 1991.

Um comentário:

Marcos Vichi disse...

Olá Pedro!

Um texto escrito há dezenove anos e que continua atualíssimo.

Que Deus nos dê condições para aguçar a sensibilidade dos nossos sentidos a fim de colaborar, com palavras e ações, para alcançarmos um Brasil melhor.

Sucesso aí em Marabá

Deus te abençoe!

Marcos Vichi
http://compartilhandopalavras.blogspot.com/