terça-feira, 22 de julho de 2008

Justiça Social Também é Vida Devocional

“Justiça social também é vida devocional”: o lugar da justiça social na espiritualidade cristã.
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por Pedro Grabois*
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Existe uma forte tendência do ser humano em querer separar matéria e espírito. Desta percepção fragmentada da vida surge uma outra separação: a que é feita entre justiça e espiritualidade. São muito comuns os discursos religiosos, no meio cristão, que tratam da espiritualidade como algo que diz respeito apenas ao indivíduo, ao seu interior, à sua subjetividade. Estes tratam freqüentemente da espiritualidade, da fé e da própria verdade do Evangelho de Jesus Cristo como algo abstrato, etéreo, flutuante, pairando sobre a terra. Mas a fé é algo concreto, fincado no chão, que se relaciona diretamente com os contextos e os problemas que nos envolvem.
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Temos que nos perguntar então o que significa dizer que justiça social também seja vida devocional. Em primeiro lugar, não significa reduzir a vida devocional, a vida de fé, a espiritualidade genuinamente evangélica[1] a meras práticas sociais. Declarar que justiça social também seja vida devocional é compreender que a prática e a busca da justiça são partes integrantes essenciais à fé cristã (Miquéias 6: 8; Mateus 5: 6 e 6: 33). Quando pretendemos ser seguidores de Cristo sem levar em conta a dimensão da justiça, estamos vivendo um evangelho capenga, mutilado. Esta mensagem parcial, partida, incompleta, não é de modo algum o Evangelho de Jesus.
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Para vivermos a Boa-Nova de Jesus de maneira integral precisamos levar em consideração toda a sua vida aqui na Terra: seu nascimento, as obras que realizou em seu ministério, as parábolas que contou, o resgate da Lei que realizou a partir do amor e da defesa da vida, o jeito como olhou e cuidou do ser humano, sua morte e ressurreição. A verdade do Evangelho é a verdade de um Deus que se fez carne, de alguém que desce de uma condição espiritual, considerada elevada, para a material, até então considerada inferior. A ascese cristã não deve ser do tipo que prega que o corpo é mau e que dele devemos nos desprender para chegar à dimensão espiritual. Cristo veio em carne e anunciou a chegada do Reino de Deus aqui na Terra. A realidade espiritual do humano existe na realidade material.
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Muito da tendência do não envolvimento com a busca e a prática da justiça está ligada a esse ascetismo, uma pretensão de espiritualidade separada da matéria. Fala-se de disciplinas espirituais e de práticas devocionais fazendo referência apenas a oração, leituras bíblicas, jejum, cultos coletivos, etc. Não que estes elementos não sejam importantes, mas a vida espiritual não se resume a isto. Justiça social também é parte da vida e, portanto, também integra a vida devocional, mas também não deve ser encarada como se fosse somente mais uma disciplina espiritual, um apêndice da vida.
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Contudo, não devemos procurar um trabalho social para estar bem com Deus, ou para ter a consciência aliviada, ou para sentir que estamos fazendo a nossa parte. Não, não é nada disto. E infelizmente isto também é muito comum: pessoas se envolvendo com os problemas dos outros, pensando que assim estão resolvendo seus próprios problemas. Esta última atitude é apenas um reflexo do individualismo ensinado pelo sistema em que vivemos. Não é isto que deve orientar quem segue a Cristo na busca e na prática da justiça. O que o Evangelho traz é a perspectiva de uma vida de missão à luz do Reino de Deus. Reino de Deus implica diretamente em viver os princípios trazidos e resgatados por Cristo, de modo prático, com ações concretas. O amor pregado por Jesus é sobretudo um amor prático, que está ligado a um fazer, ligado a usar de misericórdia para com o próximo (Lucas 10: 37).
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Que nosso servir a Deus aconteça através do nosso serviço ao próximo. Que o amor que dedicamos a Deus seja manifesto concretamente no nosso amor ao próximo. Mas podemos nos perguntar: quem de fato é nosso próximo? Podemos também nos perguntar: como agir, como fazer justiça, como clamar por justiça de um modo que transforme as vidas das pessoas de uma maneira efetiva? Quando nos lançamos sobre a busca e a prática da justiça, logo percebemos que há mais perguntas e dúvidas do que certezas e respostas-prontas. Aliás, devemos fugir das repostas-prontas. Neste terreno, elas são uma armadilha terrível.
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Fiquemos então com a certeza de que o Evangelho nos traz uma mensagem de comprometimento com o Reino de Deus e sua justiça e de que é preciso esforço e dedicação para viver neste caminho. É preciso preparar-se, capacitar-se, conhecer as realidades diferentes da nossa, deixar de lado um monte de preconceitos, etc.
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É o voluntariado que vai solucionar todos os problemas? É a educação? É a ação da polícia? É a realização da reforma agrária? É a micro-política? É a visitação? É a alfabetização? Uma ação individual isolada muda uma realidade? Restam muitas perguntas sem resposta-pronta, e para resolver ou dissolver estes problemas é preciso lançar-se sobre este caminho, de prática e busca da justiça, que mistura uma série de elementos. Está claro que não é apenas um tipo de ação que dará conta dos problemas à nossa volta. A missão é integral, e deve ser pensada e realizada deste modo. Fica para nós o princípio vivo do Evangelho de Jesus que pede que dirijamos nossa atenção para a Natureza e os oprimidos da Terra. O cuidado é o novo-velho paradigma do cristianismo. Por isso afirmamos que justiça social também é vida devocional.
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Nota:
[1] Espiritualidade exercida a partir da leitura e da vivência dos Evangelhos.
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*Escrevi este texto com a intenção de mostrar em que direção aponta a minha visão sobre Justiça. (O texto foi revisado por Marcos Vichi)

4 comentários:

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Oi Pedro,

consegui achar a fonte do texto que
(acho) você colocou pra gente lá no fraternus-cidadania cristã.

Parabéns! Ele é muito bem escrito e tem um conteúdo excelente!

Volte mais vezes.

Abrçs,

Roger

Anônimo disse...

Excelente!!! Muito bom mesmo!
É Deus falando a nós através dessas palavras!

Deus abençoe grandemente!

Tiago Zortea

Carol disse...

Olá, Pedro.

Parabéns pelo texto. É realmente muito bom. Você conseguiu traduzir em palavras uma série de sentimentos que carrego em relação ao tema.

Paz!

Carolina Gagliano

Ju Peres disse...

sim! tá certo sim, não dá pra separar uma coisa da outra... tá junto mesmo!
como D'us abraça? através dos nossos braços!