quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Considerações sobre filosofia, cidadania e meio ambiente

CONSIDERAÇÕES SOBRE FILOSOFIA, CIDADANIA E MEIO AMBIENTE


[Mantive aqui o caráter de oralidade do texto, quando de sua apresentação no XIV Encontro Estadual de Professores de Filosofia/2010]


PEDRO FORNACIARI GRABOIS

Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Resumo: Nossa comunicação tem por objetivo apontar, a partir do entrecruzamento de diversos temas como ensino de filosofia, cidadania e meio ambiente, a possibilidade de pensar não só uma relação da sala de aula com a militância das organizações sociais, mas fazer da própria sala de aula um espaço de militância social e política em prol de uma sociedade mais justa e igualitária no que diz respeito ao acesso a saneamento ambiental e à posse da terra.

Palavras-chave: filosofia, cidadania, meio ambiente



Para a criança de cinco anos, arte é vida e vida é arte. A experiência, para ela, é um fluido caleidoscópico e sinestésico. Observem crianças brincando e tentem delimitar suas atividades pelas categorias das formas de arte conhecidas. Impossível. Porém, assim que essas crianças entram na escola, arte torna-se arte e vida torna-se vida. Aí elas vão descobrir que “música” é algo que acontece durante uma pequena porção de tempo às quintas-feiras pela manhã enquanto às sextas-feiras à tarde há outra pequena porção chamada “pintura”. Considero que essa fragmentação do sensorium total seja a mais traumática experiência na vida da criança pequena. (SCHAFER; 1991, p. 290, grifo do autor)

O trecho que acabo de ler é do livro O ouvido pensante de Murray Schafer, músico e educador canadense, preocupado em pensar a educação musical de modo integrado à vida e à paisagem sonora que compõem a sociedade contemporânea e que cercam tanto o indivíduo que faz música profissionalmente quanto o que não faz. Não me aprofundarei nas discussões próprias a esse universo (o da música), apenas as tomei para ilustrar algo do que quero tratar aqui brevemente: a prática filosófica vivenciada na cidadania e integrada a um compromisso com o meio ambiente e com as pessoas que nele vivem. Ao final do texto, retornarei a essa citação do livro O ouvido pensante.

Em primeiro lugar, a relação entre filosofia e cidadania. A Lei de Diretrizes e Bases para a educação nacional (LDB 9394/96) atribui ao Ensino Médio “a preparação básica para a cidadania” e vincula ao exercício desta cidadania o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia. José Pacheco, em um de seus livros, nos fala sobre a diferença entre “educar para a cidadania” e “educar na cidadania”:

leio em manuais escolares a expressão “educar para a cidadania”. Se bem entendo o sentido da frase, tratar-se-á de moldar o indivíduo numa lógica de seqüencialidade regressiva, treinando-o, agora, para um posterior desempenho social que se crê, por sua vez, ajustado a um determinado modelo de sociedade futura. Exatamente no estilo do faz-de-conta-que-já-somos-para-sermos-quando-formos, que acaba sendo um exercício, que é fim em si próprio. (PACHECO, 2006, p. 46)

A crítica de Pacheco à perspectiva da “educação para a cidadania” segue: “onde estão os espaços de uma liberdade responsável? Se nem os professores a exercem, como poderão ensiná-la?” (ibidem, p. 47). Ele denuncia ainda, em sua crônica, que em aulas caracterizadas pela passividade nas universidades se ensinem “métodos ativos” e fala da inutilidade de tentar ensinar cidadania em aulas expositivas a partir da análise de dilemas ou através de discursos de “moralidade duvidosa e eficácia nula”. Denuncia ainda as escolas nas quais tudo é negação da cidadania. Pacheco defende, em primeiro lugar, que o estudante precisa ter voz ativa, sem que por isso deixe de ser portador de um estatuto próprio, o de estudante, que é bem diferente do de professor. Pacheco pede que os professores reconheçam que há outros para além de si mesmos. A crítica de José Pacheco se aproxima muito da de Paulo Freire, quando denunciava o uso da concepção “bancária” da educação – aquela que se pauta pela transmissão de conhecimentos aos educandos – por aqueles que se pretendem defensores da causa da libertação (FREIRE, 2005, p. 71-78). Essa contradição que tanto Pacheco quanto Freire denunciam parece por nós, estudantes e professores de filosofia, reforçada diariamente, consciente ou inconscientemente. Essa contradição parece também ser referendada pela concepção de educação que lemos na LDB quando trata do domínio de conhecimentos para exercer uma cidadania futura. Acreditamos que seja preciso defender a filosofia enquanto experiência, enquanto experiência que vá além da aula expositiva, que vá além da sala de aula, que vá além da aula de filosofia. A filosofia enquanto disciplina, hoje obrigatória no ensino médio graças a diversas lutas e conquista da qual não podemos abrir mão, precisa se articular com a realidade concreta do cotidiano escolar e com a realidade concreta dos estudantes, realidade que se vê pouco contemplada nos programas de diversas escolas.

Assim, a ilustração do início de nossa fala pode ser retomada e aplicada à filosofia em sua relação com a cidadania. A aula de filosofia não pode conter o que pretendemos fazer quando nossa proposta é educar na cidadania, a experiência filosófica cidadã não acaba quando o sinal toca. Há um problema no sistema que diz que é atribuição apenas de determinadas disciplinas, ou que determinadas disciplinas têm um peso maior em transmitir uma suposta cidadania aos alunos. Nossa meta é ir além da disciplinaridade, é estabelecer uma ponte entre o que abordamos e vivenciamos na sala de aula com tudo aquilo que nos atravessa social, política, econômica e afetivamente. Na verdade, esta ordem pode e deve ser inversa: aquilo que nos atravessa cotidianamente tem primado sobre nosso esforço de um fazer filosófico. Ainda assim, o espaço da disciplina de filosofia, o espaço da sala de aula é bastante precioso e quando o temos em nossas mãos, não podemos colocar tudo a perder. Faz-se necessário compartilhar nossa experiência e vontade de fazer filosofia com os estudantes e precisamos fazer isso de modo coerente com a prática cidadã que queremos construir coletivamente: em primeiro lugar dando voz a eles, reconhecendo a necessidade do diálogo, que começa com o reconhecimento do outro enquanto sujeito ético e político ativo.

Ainda pretendemos vincular tal tematização da filosofia em sua relação com o exercício da cidadania ao tema do meio ambiente, que compõe o tema de todo esse encontro de educadores. A partir de nossa vivência e envolvimento com organizações sociais comprometidas com a transformação de situações de injustiça no Brasil através de campanhas de conscientização e mobilização locais e envolvimento em processos de construção de políticas públicas de alcance nacional, aprendemos sobre meio ambiente e saneamento ambiental algumas importantes lições. Segundo o Instituto Trata Brasil, no país, “mais de 100 milhões de brasileiros não dispõem de rede de coleta de esgoto sanitário e 18 milhões não têm sequer banheiro em casa. Todos os dias, sete crianças brasileiras morrem em consequência da falta de saneamento” [1]. Afirmamos, junto com a Rede Fale, que não pode haver “meio ambiente saudável enquanto persistir tamanha desigualdade social” [2]. Um interessante conceito de saúde pode também dar o norte de que precisamos: "Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde." (MINAYO, 1996). O acesso e a posse da terra para os trabalhadores rurais, a agricultura familiar, o paradigma da agricultura ecológica, a reforma agrária, todos esses são temas que ainda precisam ser muito explorados e desenvolvidos em um país como o nosso, que tem o latifúndio e a monocultura profundamente enraizados em sua história. Assim, na medida em que focamos na saúde, no bem estar e nas condições de dignidade e justiça das pessoas é que pensamos e agimos nos problemas do meio ambiente que as cerca. Tal discussão pode nos levar muito longe. Na atualidade, autores como Luc Ferry, Félix Guattari, Bruno Latour, entre outros, se propuseram pensar a ecologia em suas articulações com a história, com a ciência, com a política, etc., oferecendo assim uma visão crítica desse recente campo de saber e prática. Há toda uma história ocidental das relações ser humano-natureza a ser aprendida e ensinada, sem falar nas perspectivas orientais que permanecem para nós ainda muito desconhecidas, muitas vezes por causa de uma insistente ignorância em relação ao assunto. Ferry, em A nova ordem ecológica, escreve sobre diferentes perspectivas que ao longo da história consideraram a própria natureza como sujeito de direitos, seu livro fornece interessantes informações e conduz boas discussões acerca da prática ecológica hoje. Usar os recursos que a Filosofia tem disponíveis, os conceitos, as noções, os métodos, a relação entre história e pensamento, as diferentes maneiras de abordar determinados temas – tudo isso pode ser de grande valia para a tematização do meio ambiente em sala de aula se somado àquilo que a vivência na militância social tem também a fornecer. Ainda assim, enfatizamos que não se pode apenas teorizar sobre as diferentes abordagens, sobre as diferentes relações entre meio ambiente e ser humano, natureza e sociedade, natureza e cultura, etc. É preciso que nossa problematização de tais relações nos leve à construção de uma agenda de modificação das estruturas injustas da sociedade ou à adesão a uma agenda já construída anteriormente. Defendemos, então, a possibilidade da filosofia tratar a questão ambiental ou sócio-ambiental não apenas como problema filosófico, mas também como problema propriamente político, que implique uma agenda prática, que envolva estudantes e professores no exercício de uma cidadania por uma justiça sempre em construção.

Com nossa fala, ainda que breve, nossa pretensão era mostrar que a partir do entrecruzamento de diversos temas como ensino de filosofia, cidadania e meio ambiente, é possível pensar não só uma relação da sala de aula com a militância nos movimentos sociais, mas fazer da própria sala de aula um espaço de militância social e política em prol de uma sociedade mais justa e igualitária no que diz respeito ao acesso a saneamento ambiental e ao acesso e à posse da terra. O ensino de Filosofia no Brasil é um instrumento poderoso para pensar a cidade como espaço de direitos, para pensar o direito à cidade, para pensar, ainda, as atuais relações entre cidade e campo. Reforçamos aqui nossa posição em defesa da sala de aula como espaço de problematização e de construção de agenda prática em torno da questão da participação política, da luta pela garantia da cidadania e da defesa de direitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL - 8º CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - Relatório Final. In: MINAYO, M. C. S. (org.) A Saúde em estado de choque. Rio de Janeiro, FASE, 1996, p. 117 - 128 (Anexo).

FERRY, L. Le nouvel ordre écologique: l’animal, l’arbre et l’homme. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 1992.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GALLO, Sílvio (Coord.). Ética e cidadania: caminhos da filosofia: elementos para o ensino de filosofia. Ilustração de Alexandre J. de Moraes Assumpção. Campinas: Papirus Editora, 2003.

GUATTARI, F. Les trois écologies. Paris: Éditions Galilée, 1989.

LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Trad. de Carlos Aurélio Mota de Souza. Bauru: EDUSC, 2004.

PACHECO, José. Para os filhos dos filhos dos nossos filhos. Campinas: Papirus, 2006.

SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. Trad. de Marisa T. de O. Fonterrada; Magda R. G. da Silva; Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.

SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Cidade e cidania. In: PEGORARO, Olinto A.; HÜHNE, Leda M. (Orgs.). Fazer Filosofia. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1994, p. 170-211.



[2]Extraído de Cartão Ore&Envie de 2006 da Campanha “FALE por saneamanento ambiental”, p. 2.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre o ato de rotular...

Estudo Bíblico Participativo "Sobre Rótulos". Foi feito pela primeira vez na Uerj em 18 de Agosto de 2008 e depois disso vários outras vezes...
Espero que apreciem:

SOBRE RÓTULOS

“Ninguém gosta de ser rotulado. Afinal, os rótulos que os nos dão geralmente são pejorativos; e geralmente pretendem nos restringir, ou mesmo nos aprisionar, num estereótipo bastante limitador. Mas os rótulos servem para identificar; e, se nós nos recusamos a utilizá-los, nem por isso os outros deixam de aplicá-los a nós.” (John Stott)

Leitura do Evangelho segundo Mateus, capítulo 7, versículos de 1 a 5.
1. Este breve trecho está inserido numa famosa passagem da Bíblia, conhecida como Sermão do Monte (ou da Montanha). Em Mateus, este evento que reúne uma série de ensinamentos atribuídos a Jesus se encontra nos capítulos 5, 6 e 7. A quem Jesus proferiu estes ensinamentos (Mateus 5:1)?
2. O que, fundamentalmente, Jesus denuncia nesta fala inicial de Mateus 7: 1-5?
3. Através de qual metáfora ele faz esta advertência/crítica?
4. Jesus primeiro critica um jeito de agir e depois recomenda outro (v. 5). Que implicações práticas tem este ensinamento em nossas vidas?
5. Você se sente rotulado em algum momento? Você se vê como alguém que rotula muito as pessoas e as coisas?
6. Em sua opinião, o rótulo é algo sempre negativo? Se entendermos o rótulo como algo negativo, como fazer para rotular menos os outros?

“... toda vez que se age concretamente na igreja ou na sociedade logo se recebe rótulos...” (Paul Freston, sociólogo)

7. Como fazer para sofrer menos com os rótulos que nos dão? Como seguir adiante apesar dos rótulos?

“... Jesus enfatiza o que há de mais profundo na vocação dos seus seguidores: ser gente. Esta é a vocação inerente à própria natureza de como os seres humanos foram criados. É como se Jesus estivesse de fato recompondo a composição humana original.” (Carlos Queiroz, pastor e escritor)

8. Os rótulos muitas vezes reduzem as pessoas a não-pessoas, a meras coisas mensuráveis e desprezíveis. Como viver a real vocação que Jesus tem para nós: ser humano?

-------
[na época, coloquei a letra dessa canção junto do estudo, só pra curtir mesmo, afinal tem tudo a ver com nosso coração estudantil!]

Coração de estudante
Milton Nascimento
Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo arPode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora, cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor flor o o e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração,
Juventude e fé.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CURSO DE VÍDEO NO PONTO DE CULTURA DO PROFEC - INÍCIO 21/02/11

Informamos que o Curso de Vídeo, no Ponto de Cultura do PROFEC, terá sua primeira aula em 21 de fevereiro de 2011.

Pedimos divulgar!

Ponto de Cultura - Jardim Primavera
E-eletrônico: culturaemvideo@gmail.com

Profec Programa de Formação e Educação ComunitáriaRua Prof. Hélio Rangel, 911/912 – Jardim Primavera - Duque de Caxias - RJ
Tel.: 2776-5906 e 2676-1365
E-eletrônico: profec@profec.org.br